Posts Tagged ‘igreja’

MARRA

agosto 15, 2011

Nariz em pé, peito estufado, bunda arrebitada. Uma escoliose no alto do seu pedestal.

A marra é quase uma religião no Rio de Janeiro. O culto é ao corpo, a igreja é a academia, o padre é o personal, a hóstia é a bolinha e a cabeça é a oficina do diabo.

Quando morei no Rio, achava que só as mulheres lindas eram marrentas (confesso que algumas tinham o direito de ser). Mas depois descobri que até as feias eram metidas.

E do alto seu altar, você é invisível. Não agradecem por você ter aberto a porta do elevador. Acham que a porta abriu sozinha. Uma mágica, um abre-te Sésamo.

Se fosse Gisele, vá lá. Mas, porra, feia feito o custipiu e nem olha para você? Tudo bem que sou careca, mas tenho olho azul e sotaque baiano.

Os homens também se acham. Só pelo simples fato de serem… cariocas. Estes vão de sunga branca pra praia. Não é à toa que o Brasil inteiro diz que o problema do Rio são os cariocas.

Muitos dos meus melhores amigos são cariocas (exceção que confirma a MINHA regra). Amo-os, mas eles se acham deuses em Ipanema.

É tão blasè, tanto doce, tanto nariz, tanto umbigo, tanto Global, que acabam voltando para casa sozinhas.
Matheus Tapioca

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Ilustração: Michel Neuhaus
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AS NOIVAS DE LOURDES

abril 12, 2010

A Igreja de Lourdes é muito famosa e requisitada por todos os noivos da cidade de Belo Horizonte. Para conseguir uma data, uma sexta-feira, um sábado, ou uma segunda que seja, para realizar uma cerimônia de casamento, o casal deve marcar o grande dia seis anos antes.

O sucesso do lugar não se deve à longevidade das suas uniões, nem pela religião dos seus fiéis. Eram sua tradição e beleza, com três cúpulas, anjos barrocos e uma belíssima imagem de Nossa Senhora que deixava ela especial. Além de ser uma igreja onde sempre foram realizadas cerimônias da alta sociedade mineira.

As mulheres solteiras da cidade marcavam a data do seu próprio casamento sem ao menos ter um namorado. O Padre Nelson, alarmado com o ocorrido, protestou e determinou que só seria possível colocar o casamento na lista de espera somente com os nomes da noiva e do noivo.

Adriana marcou a data quando não precisava do nome do noivo. Até porque, nos seus seis anos de espera, ela ficou noiva três vezes. Como ela poderia marcar a data do seu casamento com o nome do noivo, se os noivados terminavam antes?

Mônica conseguiu casar depois de seis anos de noivado com João Antônio, mas o casamento só durou três meses. Agora ela não faz mais o “Em nome-do-pai” quando passa na frente da Igreja de Lourdes.

Rosalina, moça direita, já estava casada há mais de vinte anos e aquele dia, quando a porta da igreja se abriu, ao som da marcha nupcial, foi o mais feliz da sua vida. Ela entrou chorando e o “desgraçado do Luiz”, esperava no altar, ainda bêbado da despedida de solteiro.

Quando ele acordou, já estava casado e sem lembrar se participou da cerimônia. Ele praticamente emendou a despedida de solteiro na festa do seu casamento. Só faltou levar as convidadas da primeira noite.

Emanuel esperou seis anos de noivado e quatros horas no altar, sozinho, sem noiva, acompanhado apenas da sua família e seus padrinhos. A outra, a família da Cristina, também não foi para a igreja.

Não satisfeitas, as mulheres protestavam: “Quem consegue ficar seis anos noiva, nos dias de hoje, irmã Teresa?”. As solteiras passaram a marcar a data do seu casamento com nomes de noivos fictícios. Quando o padre percebia, a data era cancelada e a moça repreendida.

As mais espertinhas colocavam o nome do atual namorado – sem o seu conhecimento, é claro -, e depois, namoro desfeito, aparecia um outro noivo. Elas diziam que a irmã Tereza havia se enganado. Ninguém iria se lembrar de um nome seis anos depois.

Outras colocavam o nome de pretendentes, sem saberem que eram alvo das noivas de Lourdes, os rapazes se assustavam quando eram surpreendidos por mulheres ensandecidas, faltando dois meses para o casamento.

Renatinha conseguiu. Colocou seis anos antes o nome de Augusto Guilherme e faltando dois anos para a data do casamento, ela o conquistou e casou. As más línguas dizem que foi golpe da barriga.

Como não poderia faltar, havia também os casos em que duas noivas colocavam o nome do mesmo partidão. Os mais bonitos então, estavam na lista de muitas mulheres. Carlos Henrique estava na lista de quinze mulheres. Até que descobriram que ele era gay.

Norminha, 73 anos, realizou o sonho de uma vida inteira: encheu a igreja de amigos e familiares, decorou a casa do Senhor com rosas espanholas e contratou um concerto de cordas.

Quando entrou deslumbrante, toda de branco, virgem, sob a marcha nupcial e, com os olhos cheios d’água de felicidade, espantou a todos. Só ela sabia que não haveria noivo no altar.

Matheus Tapioca

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Ilustração: Michel Neuhaus
Toda segunda uma nova crônica. Acompanhe.

Matheus Tapioca

SOLANGE

dezembro 7, 2009

Solange era alta, morena, seios fartos e quadril largo. Moça direita, Solange batia ponto na Igreja Nossa Senhora da Conceição, numa pequena cidade de Minas Gerais, para assistir às missas do Padre Batista, que era perdidamente apaixonado por ela.

A mais bela fiel da sua igreja, Solange não sabia, mas todas as missas eram dedicadas a ela. No confessionário, Batista sentia o perfume de Solange, ouvia os pecados da amada de olhos fechados e perdoava todos. Dava duas “Ave Maria” e um “Pai Nosso”, para não gerar desconfiança.

Batista sempre a convidava para ler trechos da Bíblia no altar. Fazia questão da participação dela na quermesse e no coral. Mas quando colocava a hóstia na boca entreaberta de Solange, o padre entrava em êxtase.

Até que, um belo dia, o Padre Batista encontrou o nome de Solange na lista de casamento da sua igreja. Aquilo o deixou pálido como uma folha de papel. Sem chão, sentou para não cair.

Depois que leu o nome dela e o de Josino Eduardo, o padre Batista fez o que pode para destruir o noivado. Na confissão, perguntava se o noivo a tirava do bom caminho, se era direito, se tentava passar a mão em seu corpo.

Mas ouvia com um certo prazer os pecados que ela praticava com Josino, escondida dos pais, no portão de casa. Aquilo alimentava suas fantasias e a sua dor. Tormento que o consumia noites a fio.

Finalmente, o padre Batista casou Solange e Josino Eduardo. E, naquela noite, às três horas da manhã, o sino da igreja começou a soar, misteriosamente, acordando toda a cidade.

Todos os moradores saíram de suas casas e foram de pijamas para a porta da igreja saber o que estava acontecendo. Sem paciência de esperar, Adamastor bateu na porta da igreja, chamou pelo padre, bateu com mais força e a porta se abriu lentamente.

Procurando pelo padre, Adamastor entrou na igreja e foi até a torre do sino, que não parava de tocar, para falar com Batista. Chegando lá, Adamastor não viu ninguém, gritou o nome do padre e quando olhou para cima, viu o Padre Batista enforcado na corda do sino.

Matheus Tapioca

carinha_farinha

Ilustração: Michel Neuhaus
Toda segunda uma nova crônica. Acompanhe.

Matheus Tapioca